A NEFASTA INSISTÊNCIA DO “ANTES E DEPOIS” NA ODONTOLOGIA.
Ref. Propaganda e ética.
Landoaldo Falcão de Sousa Neto*
DESENVOLVIMENTO
Cotidianamente os cirurgiões dentistas são seduzidos para inaugurarem a via da propaganda mercantil, ora incompatível com a odontologia, profissão que é regulada no Brasil pela Lei 5.081/66 e seu respectivo Código de Ética. Sobre a propaganda e a legislação odontológica, inferimos um sentido claro contra a mercantilização e seus consectários. Vejamos o rol do art. 7º da Lei 5.081/66, que estatue: vedação ao uso de artifícios para granjear clientela; divulgação de benefícios e prêmios; anunciar preços ou modalidades de pagamentos; prestação de serviços gratuitos; consultas via correspondência, radio e semelhantes. Ademais, o Código de Ética Odontológica possui capitulo especifico quanto ao tema (Capítulo XVI, do art. 41 a 46), que em suma reverbera os dizeres da Lei e aborda minúcias. Percebe-se que todas as previsões buscam salvaguardar (e são decorrentes do núcleo central que regula a profissão da odontologia) à incompatibilidade com a mercantilização, sendo esta inafeita a uma ciência da saúde.
Com todas essas nuances que se impõem ao exercício da odontologia lato sensu, esta, até então, se contentava com os meios convencionais para obtenção de clientela, sendo comum o “boca-a-boca”, a menção em colunas ou publicação de artigos. Ocorre que, com o avanço populacional, o aumento exponencial do número de profissionais e, consequentemente, da concorrência, bem como dos meios a disposição para propaganda (internet, redes sociais, jornais, revistas, periódicos, rádios e televisão), a publicidade e propaganda na odontologia experimentaram um novo impulso.
Dentre as mais atraentes e utilizadas propagandas destinadas ao público leigo hodiernamente (infelizmente) seja a da técnica de projeção do “antes e depois”. O dilema do “antes e depois” tangencia a odontologia pela facilidade do enquadramento bucal, o que a torna atrativa ao maleficio retro. Foquemos quanto a esse artifício de propaganda seja pela sua ampla massificação, como pela sua reiteração e insistência ao transpassar temporal. Entendida (erroneamente) como uma propaganda não maléfica, quiçá de projeção de um serviço exitoso do cirurgião dentista (seria ‘em tese’ uma exaltação ao bom trabalho), é a mais comum das propagandas irregulares, e que se reinventou ou ressurgiu com mais força pela internet, mormente via redes sociais. Nestas, os profissionais de saúde promovem alusão a procedimentos já realizados e projetam os moldes e ganhos (hipotéticos) em que o futuro paciente/cliente irá obter. Tais condutas (ou ‘necessidade’ de granjear clientela) tem como origem precípua duas vertentes, nomeadamente: da proliferação de profissionais em desmedida a capacidade do mercado (concorrência extrema); e a ausência de conhecimento dos deveres éticos no exercício profissional.
Pela primeira vertente, entendemos que assole outras profissões no nosso País, tendo em vista a política desarrazoada do MEC nos últimos anos, que sem parâmetros promoveu abertura de cursos superiores e vagas sem o necessário estudo e adequação. Com isso, tem-se o aumento exponencial e desproporcional face a determinada região do número de profissionais. Este fenômeno atingiu a classe odontológica, no qual vem sofrendo da seguinte forma: para os recém-egressos das universidades há a dificuldade em se posicionar no mercado, quiçá iniciar sua vida profissional, levando-os, em alguns casos, a se submeterem a situações degradantes ou a promoverem condutas irregulares; para os cirurgiões dentistas militantes ocorre a diminuição na clientela, concorrência extrema e banalização do serviço profissional, também acarretando, em alguns casos, a promoção de condutas irregulares para adequação ao mercado.
Por essa vertente aferimos o seguinte entendimento. É fato que não é salutar e profícuo qualquer medida de reserva de mercado, contudo a situação pátria foge disso claramente em alguns rincões. Assim, a banalização ou prostituição da odontologia (seja por qualquer viés) prejudicará além dos profissionais a própria população em si. Há, assim, de se ter medidas e parâmetros pré-fixados - resultantes de um diálogo de setores- para tais a fim de evitar a precarização do exercício da odontologia, tanto pela via técnica e, principalmente, pela conduta de propaganda.
Pela segunda vertente, a manutenção, ainda, nos dias atuais de condutas de propaganda do “antes e depois” são reflexos da falta de cuidado no ambiente acadêmico para a disciplina de deontologia odontológica, que aborda especificamente a conduta e os deveres morais e éticos do profissional no exercício do mister. Avista-se poucas grades curriculares que ponham atenção e promovam o enfrentamento devido a matéria, quiçá destaquem-na como disciplina independente. Há, também, a ausência de promoções de reciclagem e divulgação de conteúdos públicos e de publicidade que contenham dizeres informativos quanto a matéria. Aliado a isto, temos a incidência dos mecanismos de divulgação atual, mormente com a popularização da internet e seus meios de divulgação (leia-se redes sociais). Por ser um meio impessoal, as comunicações ou publicações em redes sociais tendem a serem banalizadas. Ora, a matéria é tratada no Código de Ética Odontológica, que proíbe expressamente o “antes e depois”, vide art.44, I.
Quanto a essa vertente aferimos o seguinte entendimento. Os profissionais cirurgiões dentistas em sua grande maioria, sejam antigos ou novos militantes, não trazem em si (de maneira enraizada) o fundamento dos deveres éticos no exercício profissional pela pré-falada ausência de importância da matéria nas academias. Daí ao se depararem com meios de divulgação ágeis e de fácil acesso (redes sociais) são atraídos a divulgarem imagens de seus serviços especializados no afã seja de corroborar um trabalho exitoso (comum aos jovens profissionais), ou para obter ganho em sua imagem (o que levaria a obtenção de clientela). Entendem esses profissionais, que as redes sociais seriam meios informais, sendo imunes a desdobramentos éticos e jurídicos. Puro engodo. Entrementes, a propaganda do “antes e depois” não fica adstrita a internet, sendo objeto de divulgação em jornais e em anúncios impressos e folhetos, o que, todavia, se verifica em menor grau.
Para tais fatos, tem de se atentar que o paciente atual (seja o presente ou de expectativa) não é aquela figura que aquiescia o profissional sem questionamentos. Este, atualmente, se encontra envolto a figura de consumidor, trazendo inúmeros direitos e influências ao tratamento e a relação jurídica como um todo, inclusive mesmo antes de formalizarem a contratação e o início do tratamento. De há muito o contrato de prestação de serviços odontológicos deixou de ser um avença comum (muitas vezes entendida como atípica) para estar categorizada como relação de consumo sob os auspícios do CDC. Sendo assim, a propaganda do “antes e depois” poderá gerar desdobramentos concretos além da órbita do processo ético para desaguar nas raias judiciais.
Aos profissionais, a propaganda do “antes e depois” constitui infração ética sim, sendo uma modalidade irregular de anuncio quando for destinada ao público leigo, no qual esse sofrerá abertura de processo ético e, possivelmente, condenação face sua conduta. Como também, poderá acarretar em desdobramentos na esfera consumerista, pois como a odontologia é uma ciência da saúde (natureza inexata), sofrendo inúmeras intervenções, os profissionais não consolidarão ou concretizarão certas “promessas”.
É por demais sabido o maleficio de um profissional que ora sempre atuou escorreitamente, pautando-se pela lisura, ao se vê constrangido e compelido a sofrer um processo ético por sua própria classe. Por certo, tal ato lhe trará consequências nefastas em várias perspectivas, todavia a que acreditamos ser de maior realce seja a da banalização do mercado odontológico em si promovida pelo mesmo, e da própria atuação valorativa do profissional que será sempre instado pelo paciente em geral para que atue conforme sicrano ou beltrano, o que não cabe a odontologia.
Atenta-se que o emprego do “antes e depois” é proibido quando a divulgação é destinada ao público leigo, todavia é permitida em publicações endereçadas a classe odontológica ou em periódicos científicos, podendo o profissional se valer de tal ferramenta para retratar caso clínico, demonstrar ou explanar sobre procedimento ou tratamento do ramo da odontologia. Sendo assim, há instrumentos que viabilizam à utilização do “antes e depois” de maneira adequada.
Logo, exsurge do tema, a necessária observância por parte dos profissionais para que não incorram no afã de obterem clientela, quiçá projetar um serviço exitoso, pela via da propaganda irregular do “antes e depois”. Ora que sobram malefícios, e diminuem os benefícios. Tal debate é salutar, pois continuamente é erroneamente encarado, sendo a informação e o dialogo as melhores ferramentas para o cirurgião dentista adentrar ao âmago de sua classe para que reflita em seu posicionamento no mercado.
*Landoaldo Falcão de Sousa Neto é advogado do Conselho Regional de Odontologia da Paraíba e sócio do escritório Falcão de Sousa Advocacia com atuação especializada no direito médico, odontológico e da saúde, membro da Sociedade Brasileira de Bioética, Secretario Geral da Comissão de Direito Médico-Hospitalar e Planos de Saúde da OAB-PB- landoaldo@falcaodesousa.com.br