O PAPEL CONTEMPORÂNEO DO CONSELHO FEDERAL/REGIONAL DE ODONTOLOGIA
Ref. Odontologia e regulação profissional.
Landoaldo Falcão de Sousa Neto*
DESENVOLVIMENTO
No ordenamento pátrio houve a intervenção estatal no exercício de determinadas profissões. Dito caminho teve inicio em meados dos anos 30, com a constitucionalização do interesse estatal da instituição de condições ao exercício de profissões liberais e técnicas (havia, em alguns casos, frágeis autorizações). Assim, o Estado elevou a interesse de ordem pública, visualizando a necessidade de trazer a sua batuta a regulação das profissões. Daí surgiu às raízes para criação dos Conselhos de Fiscalização profissional, que sobrevieram como forma de imprimir eficiência a tal desiderato, bem como inibir a figura dos “práticos”.
Quanto à leitura da presente peça, esta será adstrita à odontologia, e sua posição contemporânea sob a luz de sua representação pelo, hoje considerado, Sistema CFO/CROs, que seriam o Conselho Federal de Odontologia e os respectivos Regionais. Para a odontologia, a consolidação via ato legal sobreveio com a Lei 4.324/64, que constituiu o Conselho Federal de Odontologia e os Conselhos Regionais de Odontologia, anteriormente havia o Serviço Nacional de Fiscalização da Odontologia (SNFO). Nessa letra legal foram disciplinados os pormenores da constituição do órgão representativo de fiscalização e regulamentação do exercício profissional, aduzindo: natureza de autarquia federal com personalidade jurídica de direito público; autonomia administrativa e financeira; composição e atribuições do Conselho Federal; composição e atribuições dos Conselhos Regionais; penalidades e vedações.
Após a constituição do Conselho Federal de Odontologia e os Conselhos Regionais de Odontologia, houve a efetiva regulação do exercício profissional pela Lei 5.081/66, que substituiu a rudimentar Lei 1.314/51 (ainda previa a figura do dentista prático licenciado). Na regulação foram pontuados princípios ao exercício profissional, bem como os limites de atuação, estatuindo que a odontologia seria exercida apenas por legalmente habilitado e devidamente inscrito no Conselho Profissional.
Como algo embrionário, a constituição dos Conselhos Regionais foi sendo consolidada paulatinamente, em que no inicio, e até bem pouco tempo, havia posições heterogêneas.
Com isso, o Conselho Federal nos últimos tempos iniciou caminho para homogeneização do Conselho de Odontologia, tratando-o como um Sistema, como a própria Lei prevê a figura de um corpo, estando umbilicalmente entrelaçados os Regionais e o Federal. Tal caminho foi salutar, porquanto impôs segurança jurídica e legitimidade as ações do Sistema CFO/CROs, que ora sofriam, entre seus pares, com discrepâncias em condutas e atos.
Ademais, como órgão alvissareiro e sem posições definidas detidamente, sofreu com o transpassar temporal tanto pelas mudanças legislativas e constitucionais como da profissão em si. Ora, a figura do Conselho de Odontologia foi forjada na metade do século passado, em que a odontologia era limitada a certos ideais, quiçá lindes que ora não mais subsistem. Hoje temos um alargamento da profissão com evolução de técnicas, de tecnologia e novas especialidades que ocasionam infindáveis variáveis e desdobramentos em todos os ares
(técnico, profissional e relacional).
Surge, assim, a necessidade de encontrar a posição em que se localiza o Conselho Federal/Regional de Odontologia diante de tais variáveis, ou melhor, de assentá-lo à contemporaneidade. Isto sim terá, talvez, reflexos significativos à profissão em um limiar maior do que sua própria evolução.
Efetuadas as considerações quanto à origem, natureza, constituição e sua consolidação como Sistema CFO/CROs, tratemos de seu papel na contemporaneidade.
Parece-nos que o Sistema CFO/CROs, contemporaneamente, perpassa a figura estática da qual foi concebida, amparada sob fenecido arcabouço constitucional e legislativo, para uma atuação ativa, mutável e evolutiva. Entendemos, após a mudança constitucional que iniciou debate acerca da natureza jurídica (Autarquia Federal sui generis) e da pertinência quanto à proficuidade dos Conselhos Profissionais (que até então não fora pacificada-há debates acalorados-), que o Sistema CFO/CROs possua uma trinca de atuação (que, respectivamente, cada qual terá sua influencia no seio odontológico), que operará independentemente da vontade de qualquer partícipe, porquanto sejam amparadas no substrato legal.
Para tanto, há de se abordar as três perspectivas isoladamente na busca pela posição contemporânea do Conselho de Odontologia na sociedade e na classe.
Primeiramente temos sua função de regulação do exercício legal. Esta função nasceu junto à criação do Conselho de Odontologia, sendo inclusive o mote primaz. O Sistema CFO/CROs constitui fundamental ferramenta na dinâmica de legitimação da odontologia como profissão, pois exerce o papel de legitimar e efetivar a possibilidade do exercício da odontologia regularizada. Como falado alhures, havia uma verdadeira cizânia quanto a possibilidade de atuação dos “barbeiros” (denominação primitiva do cirurgião dentista) e após dentistas, sendo possível seu exercício por significativo lapso temporal apenas por sua prática. Com os reclames que se acentuaram através da proliferação dos cursos de odontologia, foi sendo exigido a transformação em uma profissão legal. O que adveio com a primeira regulamentação pela Lei 1.314/51. Desta premissa extraímos a significativa importância da vitória do exercício legal do século passado.
Imaginemos, assim, uma odontologia praticada sem a devida habilitação e chancela do Conselho Profissional. Alie-se à avidez do mercado, dos indivíduos e da própria sociedade que evolua e transmuda a todo tempo. Teríamos uma verdadeira banalização, sem atribuições especificas e exigências mínimas, ao passo que a odontologia se resumiria a uma atividade. A importância do Sistema CFO/CROs vêm, além de garantir a efetividade para o habilitado, imprimir sob sua batuta as exigências mínimas que devem resistir ao contraponto da agilidade da modernidade.
Segundamente, temos a função em que o Sistema CFO/CROs se realiza, qual seja na seara da fiscalização. A letra legal estatue que o Conselho Profissional além de ser a garantia do exercício legal, é o supervisor da ética profissional no exercício do mister da odontologia. Exsurge, assim, que o Sistema CFO/CROs, notadamente pelos Regionais exercem a função prestante de fiscalizador do exercício profissional. Contemporaneamente a fiscalização enfrenta certos dilemas, as infrações éticas não se resumem mais ao erro profissional, os temas são profundos e concernem preponderantemente ao aspecto relacional e o anuncio/propaganda. Os Conselhos Regionais de Odontologia possuíam estrutura fiscalizatória amparada no aspecto de denúncias ou visitas in loco, só que as infrações perpassam a ótica física para adentrar ao mundo virtual. Temos a internet e o fenômeno das redes sociais, em que os cirurgiões dentistas comumente se utilizam seja para anúncios ou exaltação de seu trabalho de maneira irregular. Logo, em grande parte das intervenções na rede virtual há vilipêndios a ética odontológica, surgindo um dilema quanto ao enfrentamento. Por outra banda, temos o aspecto relacional que se inovou com a legislação consumerista. Esta imprimiu a pecha de consumidor ao paciente, trazendo-lhe prerrogativas. Os cirurgiões dentistas ainda não assentaram tal pecha, empregando condutas e atendimentos desprovidos de documentação e das rotinas necessárias, o que leva a judicialização e as raias dos processos éticos. Este fenômeno se dá pela necessidade dos profissionais de promoverem um atendimento de volume em prol de suprir suas despesas, aliado a agilidade que o mercado e o próprio paciente impõe. Com isso, os reclames relacionais inundam os setores de fiscalização dos Conselhos Regionais, em suma pela ausência de adequação dos profissionais para com a nova realidade que se impõe.
Portanto, inferimos que a fiscalização moderna dos Conselhos Regionais deve se voltar a criar mecanismos ágeis e resolutos a aplacar a disseminação dessas condutas. O Sistema CFO/CROs constituirá numa imprescindível ferramenta para serenar a prostituição profissional e resguardar o exercício ético diante da evolução tecnológica que se apresenta. Este papel é inderrogável e inafastavel, sendo bastião profícuo para que, como supervisor da ética profissional, o Conselho Profissional imponha (subliminarmente) ao mercado uma dinâmica escorreita e adequada a fim de que subsista a odontologia conforme propugna a Lei e o seio acadêmico. Os Conselhos de Odontologia devem se adaptar a evolução e modernidade mudando e quebrando paradigmas, mormente quanto a seu ideal fiscalizatório, preterindo a figura apenas punitiva, e exercendo seu papel prestante de supervisor da ética, fiscalizando, promovendo a informação e o diálogo, pois há espaços que não foram ainda assentados.
Terceiramente, como perspectiva finalística, o Sistema CFO/CROs atua como guardião do bom conceito e da higidez profissional da odontologia, obstando condutas que venham a vilipendiar a odontologia em si, a classe ou seu mister, conforme previsão legal. Esta atuação valorativa do Sistema CFO/CROs é a mais ampla, contudo comumente achacada. Como paladino do bom conceito e da higidez profissional, ora conceito amplo, há espaços largos contemporaneamente a sua ativação. Logo, o Sistema CFO/CROs poderá editar normativos, se manifestar ou mesmo adotar condutas ativas em prol de resguardar a odontologia, os profissionais e a forma como o serviço é desenvolvido. Por tal possibilidade e por suas posturas empregadas, sobredita atuação é cotidianamente achacada, inclusive pela via judicial. Temos infindáveis afrontas a odontologia, que comumente se revelam pelas condições do exercício profissional ou exigências em desalinho a profissão. Estas condutas são reiteradamente empregadas pela evolução e agilidade da sociedade atual, que demanda menores custos e produção maior. Sendo necessário uma atuação valorativa do Sistema CFO/CROs em prol de resguardar a odontologia. Ocorre que, em que pese o máximo esforço para tais enfrentamentos, essa prerrogativa não deve ser mitigada ou relegada, porquanto sua atuação no campo profissional hodierno, que possui extrema concorrência e desagua em absurdos, vem como contraponto.
Pelas considerações desenvolvidas, e por sua trinca de atuação, se entrevem o papel dignificante e ativo do Sistema CFO/CROs hodiernamente, refutando falácias quanto sua inadequação a conjuntura legislativa e da sociedade. Eis que o Sistema CFO/CROs se amolda as mudanças e inovações se mostrando uma panaceia pertinente aos dilemas modernos, configurando-se mais do que nunca como instituto válido e imprescindível a odontologia.
*Landoaldo Falcão de Sousa Neto é advogado do Conselho Regional de Odontologia da Paraíba e sócio do escritório Falcão de Sousa Advocacia com atuação especializada no direito médico, odontológico e da saúde, membro da Sociedade Brasileira de Bioética, Secretario Geral da Comissão de Direito Médico-Hospitalar e Planos de Saúde da OAB-PB- landoaldo@falcaodesousa.com.br