DEBATE SOBRE A RELAÇÃO ENTRE PROFISSIONAL DE SAÚDE E PACIENTE: FRUSTAÇÃO DE EXPECTATIVA
Ref. Assédio e agressões aos médicos.
Landoaldo Falcão de Sousa Neto*
DESENVOLVIMENTO
Os profissionais de saúde, sobretudo os médicos, fincaram o olhar acerca da recente notícia da tentativa de homicídio do urologista Anuar Ibrahim Mitre, tendo como possível razão uma insatisfação aos resultados de um procedimento cirúrgico realizado. O profissional, se frise, considerado referência nacional em procedimentos daquele jaez. O autor da tentativa teria sido paciente do Dr. Anuar e se frustrara com os resultados obtidos. Este efetuou denúncia junto ao CREMESP, na qual em oportunidade vindoura através de procedimento prévio (sindicância) não encontrou indícios de infringências, sendo, portanto arquivada.
A classe médica vem sofrendo, contemporaneamente, assédio desnecessário e supérfluo da sociedade, mesmo que pela via indireta, mormente pela contenda junto ao governo federal pelo programa “Mais Médicos”. Estes, embora o papel histórico social dignificante, experimentaram achaques desmedidos de diversos setores da sociedade. O fator preponderante para o inflame face aos médicos foi à importação de uma querela técnica de esfera generalista para as raias populares, que culminou na disseminação de debate popular atécnico e ensejador de pantomimas, quiçá engodos em prol de desvirtuar a iminente falência da saúde pública.
Entendendo a ligação conducente retro, mas preterindo-a do debate, entrevemos para o relacionamento entre profissional e paciente aspectos relevantes. Temos a ágil evolução das técnicas, como também das complexas relações profissionais e sociais hodiernas, mormente pela ascensão da figura do paciente a roupagem de consumidor. Logo, as exigências de resultado se tornaram patentes.
Como é sabido a medicina aliada aos outros setores da saúde não dependem única e exclusivamente do atuar profissional (que haverá de ser valorada), aliás, esta se torna irrelevante (em alguns casos) diante da imprevisibilidade da reação biológica de cada indivíduo. A figura de consumidor, mesmo a despeito da exceção da teoria do risco encravada no § 4º do art. 14 do CDC (aferição de culpa), impõe um legado sem precedentes. O código de ética médica cuida de afastá-la sob o espeque de que a atividade médica seja inafeita a mercantilização. Todavia, os tribunais pátrios pacificaram sua plena aplicação aos contratos de prestação de serviços de saúde.
O legado reluz em várias perspectivas, todavia a que acreditamos ser de assaz realce seja a da busca pelo hipotético resultado prometido. O dilema do resultado, ou mesmo, da não presença de efeitos colaterais de procedimentos tangenciam as profissões de saúde, notadamente a medicina, odontologia e fisioterapia. Dito tema, inclusive, gerou um debate erroneamente encarado de obrigações de meio e resultado. Há de se mencionar, acerca dos efeitos do procedimento do atuar médico, que pode ainda resultar em dano iatrogênico. Este é encarado, comumente, como erro médico, o que, todavia nem sempre é plausível. Poderá ocorrer o dano iatrogênico como consequência natural da atuação profissional, nesta situação não deverá ser enfrentado como erro ou dano indenizável, quiçá discutível.
Por certo, em face das relações cotidianas de saúde carregarem pecha consumerista, aliado a um viés de implícito embebedadamente comercial, faz com que o cidadão crie senso comum de que todos os seus problemas (incrustados de elementos psicológicos e sentimentais) serão serenados pela atuação líquida e certa do profissional de saúde. No cenário atual, por diversas vezes o paciente se dirige ao médico, mesmo em procedimentos que não carreguem a pecha de “estéticos”, em busca predominantemente do senso de autoestima, o conceito de saúde sofreu uma re-significação, sendo galgado a estalão popular fundamental.
Entrementes, os profissionais não acompanharam a evolução legislativa e da sociedade, porquanto não adotara rotinas que criem amarras seguras à sua atuação e aos futuros questionamentos, principalmente pela observância do princípio da informação.
Temos que, os profissionais de saúde estejam a sofrer assédios pelo resultado do tratamento realizado, até mesmo pressões para viabilizar laudos e/ou atestados de afastamento do trabalho. E ainda, sofram intimidações ao seu mister aliado à falta de estrutura tanto de insumos como de segurança para um atuar escorreito.
Consoante à isto, tem-se observado movimento unificado das associações médicas no sentido de proteger seus profissionais através do Departamento de Defesa Profissional que são comumente comunicadas de assédios e agressões. Em virtude disso, chegamos ao ápice inimaginável de condutas de proteção em determinadas agremiações de classe, onde maior exemplo é do sindicato de médicos do Espírito Santo (SIMES), que propôs a adoção do botão do pânico a fim de resguardar a segurança do profissional. Iniciativas dessa espécie tendem a se proliferar, ao passo que as denúncias e agressões aos médicos cresçam (o que se verificará).
Não se discute a disseminação do exercício de cidadania pelo cidadão que busca seus direitos administrativamente ou judicialmente. Todavia, este intento não poderá estar travestido para obtenção de resultados mágicos ou desprovidos das amarras impostas ao tratamento prioritário da saúde per si.
Eis que a panaceia poderá ser dada por ambos os participes. Pelo profissional de saúde ao adotar rotinas de informação e documentação adequada, evitando, inclusive, propagandas em desalinho à ética. E aos pacientes que deverão buscar se informar do prognóstico e dos efeitos do tratamento, tendo a consciência de que a figura do médico de há muito deixou de vestir a prática e carapuça de curandeiro.
*Landoaldo Falcão de Sousa Neto é advogado do Conselho Regional de Odontologia da Paraíba e sócio do escritório Falcão de Sousa Advocacia com atuação especializada no direito médico, odontológico e da saúde, membro da Sociedade Brasileira de Bioética, Secretario Geral da Comissão de Direito Médico-Hospitalar e Planos de Saúde da OAB-PB- landoaldo@falcaodesousa.com.br