Ao exigir a presença de dolo ou erro grosseiro para que agentes públicos sejam responsabilizados nas esferas civil e administrativa por ação ou omissão nas medidas de combate à Covid-19, a Medida Provisória 966 fere preceitos constitucionais que tratam da probidade administrativa. Essa indevida restrição, portanto, é inconstitucional.
Com esse entendimento, duas ações direitas de inconstitucionalidade foram levadas ao Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (14/5), mesma data em que a MP foi publicada no Diário Oficial da União. Em ambas, o pedido liminar é pela suspensão total da norma. A tentativa de "ressignificar o conteúdo constitucional" já havia sido apontada à ConJur.
Uma das ações foi impetrada pelo partido Cidadania, que afirma que a MP 966 conseguiu, de uma só vez, colidir com dois princípios do constitucionalismo brasileiro: a responsabilidade civil e a responsabilidade administrativa. Por conter texto vago e impreciso, a medida provisória vira fator de grande insegurança jurídica e afasta a ligação consequencialista entre a conduta e o resultado danoso.
"É patente a inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 966, de 13 de maio de 2020 em sua totalidade, tendo em vista que todo o diploma legal em questão parte da premissa da restrição da responsabilidade civil e administrativa aos casos de dolo ou de erro grosseiro, fato que é agravado pela previsão de o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização do agente público", conclui.
O outro pedido é do partido Rede Sustentabilidade, que denuncia a restrição indevida à Constituição pela inclusão da diferenciação entre os tipos de culpa (grave ou simples) que ensejariam a possibilidade de regresso estatal. A medida provisória, segundo a entidade, é verdadeiro salvo-conduta para o cometimento de crimes.
Como o ônus probatório é sempre da acusação, o regramento teria como efeito a obrigatoriedade de a administração pública e o Ministério Público demonstrar que a ação fora dolosa ou grosseiramente errada, o que configura um "passo na linha do retrocesso da impunidade".
"É claro que a Constituição não referenda a concessão de qualquer espécie de "superpoder" a qualquer pessoa. A ninguém é dado cometer atos ilícitos sem a consequente responsabilização, salvo nos casos previstos, em regime de absoluta exceção - e interpretação rigidamente restritiva -, no próprio texto constitucional", diz a peça.
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