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21/05/20

Proteção de dados

TJ-SP rescinde contrato de R$ 1,3 bilhão com a Microsoft

Proteção de dados

O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Geraldo Pinheiro Franco, rescindiu nesta terça-feira (19/5) um contrato bilionário firmado com a Microsoft no início de 2019 para o desenvolvimento de uma nova plataforma de processo eletrônico. 

Corte paulista havia selado contrato bilionário com a Microsoft em 2019

A empresa, que tem sede em Washington, capital dos Estados Unidos, já foi informada sobre a suspensão, que ainda não foi formalizada, mas que estaria ocorrendo de modo "amigável".

O contrato de R$ 1,32 bilhão, feito sem licitação, diz respeito ao desenvolvimento da Plataforma Lex. Com a iniciativa, a corte paulista buscava mudar completamente suas atividades digitais de tramitação processual e infraestrutura de tecnologia, armazenando seus dados na nuvem. O sistema substituiria o eSAJ, fornecido pela brasileira Softplan, e atualmente em uso no tribunal. 

Amizade problemática

A parceria com a Microsoft enfrentou problemas desde o início. Em 21 de fevereiro, apenas um dia depois do TJ-SP anunciar a plataforma, o conselheiro Márcio Schiefler Fontes, do Conselho Nacional de Justiça, suspendeu liminarmente o contrato. 

Isso porque a empresa norte-americana passaria a ter o direito de armazenar o acervo da corte em seus sistemas, o que, segundo ele, colocaria a segurança nacional em risco. 

"Potencialmente falando, empresa estrangeira, em solo estrangeiro, manterá guarda e acesso a dados judiciais do Brasil, onde a intensa judicialização reúne, nos bancos de dados dos tribunais, uma infinidade de informações sobre a vida, a economia e a sociedade brasileira, o que, ressalvadas as cautelas certamente previstas, pode vir a colocar em risco a segurança e os interesses nacionais do Brasil, num momento em que há graves disputas internacionais justamente acerca dessa matéria", disse na ocasião. 

Em julho de 2019, por 10 votos a 1, o plenário do CNJ manteve a decisão. Ainda assim, o TJ-SP foi ao Supremo Tribunal Federal, contestando a competência do CNJ para barrar o contrato. O recurso ainda não havia sido julgado.

LGPD

Para além da suspensão determinada pelo CNJ, o contrato foi muito criticado por especialistas em segurança de dados, que afirmaram que a parceria poderia ferir o direito à privacidade. Também atropelaria a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/18), que introduziu uma série de diretrizes a respeito da segurança da informação. 

A lei proíbe, por exemplo, o compartilhamento de dados pessoais sensíveis sem consentimento do titular, salvo quando indefensável para a "execução, pela Administração Pública, de políticas públicas previstas em leis ou regulamentos". O trecho, por si só, poderia inviabilizar a nova plataforma. 

Segundo explicou em entrevista à ConJur o especialista em dados Fernando Santiago, a lei norte-americana permite, entre outras coisas, que sejam requisitadas informações armazenadas em todas as empresas dos Estados Unidos. Assim, qualquer juiz poderia requisitar dados brasileiros acomodados nos servidores da Microsoft. 

"Por essas e outras que a questão do uso da tecnologia pelos Estados ? sobretudo para o exercício de atividades típicas do Estado ? dever ser muito bem pensada", disse. 

O desembargador Pereira Calças discorda. Ele foi o principal entusiasta por trás do contrato, selado em sua gestão à frente da corte. "Com o contrato da Microsoft, queremos trazer para o Judiciário paulista inteligência artificial e tecnologia de nuvem para aposentar a necessidade de termos datacenter próprio. O tribunal atualmente tem que manter dois datacenters por cautela", disse à ConJur em março do ano passado. 

Desde que Pinheiro Franco assumiu a presidência, no entanto, sinalizou um afastamento com relação à nova plataforma. À ConJur, disse que a corte estava novamente se aproximando da empresa Softplan. "Já há um protótipo de um sistema novo, que é o eSAJ6, bem mais avançado", adiantou. 

Embora tenha rescindido o contrato, o TJ-SP seguirá tendo uma parceria estratégica com a Microsoft, que ainda é responsável pela plataforma Teams, ferramente oficial das sessões e audiências telepresenciais.