O ato de delegação da condução e produção de prova oral a autoridade estrangeira, para que esta interrogue diretamente testemunha ou investigado brasileiro, não encontra qualquer tipo de respaldo constitucional, legal ou jurisprudencial. Mais do que isso, fere a soberania nacional, independentemente de acordos internacionais de cooperação pré-existentes.
Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou a oitiva, as provas e os atos que dela diretamente dependam ou sejam consequência que partiram de interrogatório solicitado por autoridade francesa em relação a empresário brasileiro. A decisão diz respeito a procedimentos ou processos em trâmite no Brasil.
Não produz, portanto, efeitos para o caso do brasileiro que foi interrogado por franceses no Rio de Janeiro, com autorização da Justiça brasileira, e seguirá respondendo a processo em jurisdição do país europeu. Para a Justiça francesa, missão cumprida.
"Não cabe ao Superior Tribunal de Justiça fazer juízo de valor acerca da validade ou prestabilidade da prova obtida relativamente a procedimentos investigatórios em trâmite na França, tal como parece pretender o recorrente", afirmou a relatora, ministra Laurita Vaz.
"O compartilhamento das provas obtidas com a oitiva e a busca e apreensão realizadas em cooperação jurídica internacional é característica da medida, prevista nos acordos que disciplinam a matéria", complementou.
Acordo de cooperação judiciária
O pedido foi feito pelo Tribunal de Grande Instância de Paris com base no Decreto 3.324/1999, que estabelece cooperação judiciária entre Brasil e França na área penal.
O requerimento foi pela realização de diligências em solo brasileiro para investigar crimes de falsificação e uso de documento falso, apropriação indébita, receptação, corrupção e lavagem de dinheiro. Dentre elas, a oitiva do empresário brasileiro.
O Ministério da Justiça remeteu o pedido à procuradoria-geral da República, que por sua vez passou para o procurador atuante no Rio de Janeiro. O juízo da 9ª Vara Federal do Rio autorizou o interrogatório, que ocorreu por mais de 5 horas e foi conduzido por autoridade francesa. O procurador brasileiro deixou a sala e não fez perguntas.
"O ato de delegação, expressa ou tácita, da condução e direção de produção de prova oral a autoridade estrangeira, a fim de que esta proceda diretamente à inquirição da testemunha ou do investigado, não encontra qualquer tipo de respaldo constitucional, legal ou jurisprudencial", apontou a relatora.
"Por conseguinte, trata-se de ato eivado de nulidade absoluta, por ofensa à soberania nacional, o qual não pode produzir efeitos dentro de investigações penais que estejam dentro das atribuições das autoridades brasileiras", disse Laurita.
Auxílio direto e exequatur
O acórdão da 6ª Turma ainda descarta a irregularidade do procedimento todo por falta da exequatur ? autorização do STJ para sua ocorrência. O pedido francês veio por auxílio direto, segundo o qual há um pedido de assistência de um Estado para a realização de diligências em outro ? no caso, por meio do acordo de cooperação judiciária.
A autorização do STJ só seria necessária, conforme explica a relatora, se houvesse decisão judicial francesa que precisasse ser executada e cumprida no Brasil. Se assim fosse, caberia aos ministros juízo de delibação, sem, contudo, adentrar-se no mérito da decisão oriunda do País estrangeiro.
"Não há decisão judicial estrangeira a ser submetida ao juízo delibatório do Superior Tribunal de Justiça. O caso foi de pedido de assistência direta, o qual, por exigir pronunciamento judicial, foi submetido ao crivo da Justiça Federal nacional, que examinou amplamente o mérito do pedido", esclareceu a ministra relatora, negando a irregularidade.
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RHC 102.322